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Francisco Das
CHAGAS RODRIGUES DE BRITO
Chagas
já admite a emasculação
São Luís/MA,
27.04.2004 > nº 131
O gerente
de Segurança Pública, Raimundo Cutrim, disse ontem
que as investigações sobre as mortes de crianças
confessadas pelo maníaco Francisco das Chagas estão
chegando à segunda etapa, com o acusado fornecendo
mais detalhes sobre os crimes. “Ele já admite a
emasculação, mas não dá detalhes, nem conta o que
fez com o órgão extirpado”, revelou o gerente. O
maníaco, depois de confessar 29 crimes na ilha de
São Luís e 12 em Altamira, no Pará, continua sendo
inquirido na Delegacia de Homicídios.
Diariamente, Chagas presta depoimento e até agora
não teria sido detectada nenhuma vinculação com
seitas ou envolvimento de outras pessoas nos crimes.
Ainda ontem, Raimundo Cutrim enviou ofícios ao
secretário de Defesa Social e superintendente de
Polícia Federal do Pará, informando as confissões
feitas por Francisco das Chagas Rodrigues de Brito,
assumindo a autoria de 12 mortes de meninos em
Altamira, naquele estado. Raimundo Cutrim frisou
ainda que Chagas deve ir ao Pará, desde que receba
autorização judicial, para prestar esclarecimentos,
já que outras pessoas foram presas e até condenadas
por crimes que ele confessou.
(O Estado do Maranhão, Polícia, p.8, 27/04)
Comissão
vai investigar perfil de Francisco Chagas
Uma
comissão de dois especialistas de São Paulo e dois
médicos psiquiatras maranhenses começa a trabalhar,
ainda esta semana, na avaliação do perfil de
Francisco das Chagas, 34. A comissão é composta pelo
diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo e
pela escritora Ilana Casoy, autora do livro Serial
Killer e com os médicos Hamilton Raposo e Geraldo
Melônio devem iniciar o trabalho de avaliação. A
frieza demonstrada por Chagas quando confessou os
crimes deixou os deputados da CPI impressionados.
Diante disso, os parlamentares resolveram submeter o
acusado a uma avaliação médica.
(O Imparcial, p.2, 27/04, Cássio Bezerra e Silvan
Alves)
OEA quer
reparação de danos às famílias dos meninos
emasculados
Por
recomendação da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos das OEA (Organização dos Estados
Americanos), o secretário especial dos Direitos
Humanos , Nilmário Miranda, vai iniciar um acordo
com o governador José Reinaldo Tavares (PFL-MA) para
reparação de danos dos “garotos emasculados do
Maranhão”. A reunião será na próxima quinta-feira,
em São Luís, um dia antes do prazo final dado pela
comissão para que o Brasil iniciasse uma solução
amistosa do caso.
(O Imparcial, p.2, 27/04, Cássio Bezerra e Silvan
Alves)
Chagas
pode ter assassinado mais de 40 crianças no MA e PA
A Polícia
Federal vai acompanhar as investigações sobre mais
de 40 assassinatos de garotos no Pará e no Maranhão.
O maníaco Chagas, que confessou os crimes, pode
estar envolvido no caso dos meninos de Altamira -
mortos e mutilados nas décadas de 80 e 90. A polícia
já gravou 18 horas de depoimento do mecânico
Francisco das Chagas. Depois de confessar 29
assassinatos no Maranhão, ele disse ter matado 12
meninos no Pará, na época em que morava em Altamira,
a 500 quilômetros de Belém. As vítimas tinham o
mesmo perfil, eram meninos pobres. Quinze dos mortos
foram mutilados. Ao assumir a autoria de 12 mortes
no Pará, Francisco Chagas pode desencadear novas
investigações sobre o caso dos meninos de Altamira.
Foram 19 mortos entre 89 e 93. Quatro pessoas foram
condenadas pelo assassinato de três garotos e
mutilação de outros dois, em supostos rituais de
magia negra. Valentina Andrade, acusada de comandar
os crimes, foi inocentada.
(Jornal Pequeno, Polícia, p. 12, 27/04)
A Polícia Civil do Maranhão anunciou hoje ter
elucidado o caso que ficou conhecido internacionalmente como "garotos
emasculados do Maranhão" com base no depoimento do mecânico de
bicicletas Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, 39.
Brito está preso preventivamente desde
dezembro, acusado de matar Jonahtan Vieira dos Santos, 15. Segundo a
polícia, ele confessou a autoria de 17 das 23 mortes investigadas em
inquéritos abertos desde 1991. Sem advogado de defesa, o depoimento
do mecânico foi acompanhado pelo Ministério Público Estadual.
Entre os 17 nomes confirmados pela polícia com
mortes atribuídas a Francisco das Chagas de Brito, estão os de
Eduardo Rocha da Silva, 10, Raimundo Nonato da Conceição Filho, 11,
mortos entre 7 e 9 de junho de 1997, nas matas da Vila São José, no
município de Paço do Lumiar.
Os crimes foram denunciados por ONGs (organizações
não-governamentais) do Maranhão à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Raimundo Cutrim, gerente de Segurança Pública
do Maranhão, disse que o mecânico iniciou as confissões na noite de
sexta, depois que a polícia localizou em sua casa, na periferia de
São Luís, duas ossadas enterradas.
Uma delas foi identificada por Domingos
Ribeiro como sendo de seu filho Daniel, 4, desaparecido desde
fevereiro de 2003.
"Falta ele assumir ainda três mortes, mas, com a confissão em
detalhes das 17 mortes, acredito que o caso está elucidado. Vamos
trabalhar agora na reconstituição das mortes", afirmou o delegado
Cutrim.
Investigando as mortes dos garotos emasculados
desde 1997, Cutrim afirmou que apenas três mortes, que somariam o
total das 23 registradas no Maranhão, não seriam de autoria do
mecânico. A polícia investiga indícios de que Francisco das Chagas
seja necrófago (se alimenta de cadáveres).
A confissão do mecânico pode desdobrar
investigações abertas em Altamira (PA), onde ele morou de 1989 a
1993. Mas, segundo Cutrim, até o momento não há relação com o caso
naquela cidade que envolve Valentina de Jesus, acusada por mortes de
meninos na cidade paraense e absolvida em recente julgamento.
Ainda de acordo com Cutrim, as conclusões de
novas apurações podem até inocentar pessoas que cumprem pena pelos
desaparecimentos de garotos no Maranhão.
Pista
A polícia começou a cruzar o nome de Francisco
das Chagas de Brito com as mortes dos garotos emasculados quando ele
passou a ser o suspeito da morte de Jonahtan dos Santos.
"Quando o Jonahtan saiu de casa, ele disse que ia encontrar o Chagas",
afirmou o delegado Raimundo Cutrim.
Jonahtan desapareceu de casa com uma bicicleta
no dia 6 de dezembro passado. Quinze dias depois, o corpo foi
encontrado enterrado numa estrada. Segundo a polícia, os demais
garotos, entre 9 e 15 anos, morreram no Maranhão de forma semelhante:
os corpos com sinais de tortura e órgãos genitais retirados.
Segundo Cutrim, a polícia só começou a
questionar o mecânico sobre as outras mortes após a realização de
uma perícia minuciosa, que contou com a realização de mapeamento de
GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global) e fotos
aéreas.
O mapeamento identificou as localidades onde
eram encontrados os corpos dos garotos, sempre a 50 m ou 200 m dos
endereços onde o mecânico morou, na periferia de São Luís.
Um laudo do médico Hamilton Raposo traçou o
perfil psicológico de Francisco das Chagas de Brito, segundo o qual
o mecânico "apresenta uma psicopatia, não tem senso de autocrítica
nem de culpa, e possui homoerotismo voltado para o infantil".
Francisco das Chagas
condenado a 20 anos de prisão
Glaucio Ericeira e
Suzana Beckman - Jornal Imparcial
26/10/2006
O maior serial killer foi
considerado semi-inimputável e teve a sua pena reduzida
em um terço. Promotoria diz que novos julgamentos
acontecerão no primeiro semestre de 2007
Depois de três dias de
julgamento, o mecânico de bicicletas Francisco das
Chagas Rodrigues de Brito, 41, foi condenado a 20 anos e
oito meses de prisão por homicídio duplamente
qualificado, cuja vítima foi o adolescente Jonnathan
Silva Vieira, 15.
Esta foi a primeira condenação
de Chagas. Ele é acusado, ainda, de assassinar e
emascular outros 41 garotos – 29 na região da Grande São
Luís e 12 em Altamira, no Pará – com idade variando
entre 4 e 15 anos. Os assassinatos ficaram conhecidos
internacionalmente como caso dos meninos emasculados e
colocou Chagas na posição de maior assassino em série do
país.
Somente na Comarca do município
de São José de Ribamar, onde aconteceu o julgamento
referente ao caso Jonnathan, Francisco das Chagas
responde a outros 14 processos. A previsão, de acordo
com o promotor da 2ª Promotoria de São José de Ribamar,
Samaroni Sousa Maia, é de que, neste primeiro semestre
de 2007, o acusado seja julgado, de forma simultânea,
pelo assassinato de pelo menos sete meninos. “Essa
possibilidade existe porque foram assassinatos
praticados em um curto espaço de tempo, no mesmo
perímetro urbano e que, a exemplo do caso Jonnathan, o
Ministério Público possui uma vasta gama de provas
contra o réu”, explicou.
Samaroni adiantou que nos sete
processos que deverão ser julgados de forma simultânea o
Ministério Público abordará a tese da semi-imputabilidade,
a mesma usada no caso Jonnathan. Levando em consideração
a sentença proferida ontem, no primeiro semestre do ano
que vem Francisco das Chagas poderá ser condenado a mais
de 144 anos de prisão.
SENTENÇA
A sentença de Francisco das
Chagas referente ao caso Jonnathan só foi proferida às
3h30 da madrugada de ontem. A pena inicial seria de 32
anos: 29 pelo assassinato e emasculação de Johnnatan e
mais três por ocultação do seu cadáver. Chagas, porém, é
considerado semi-imputável, conforme foi constatado em
laudos psiquiátricos emitdos no decorrer do processo.
Segundo esses laudos, Chagas
teria transtornos sociais e de personalidade. Ele também
tem dificuldades de entender ou demonstrar emoções. Isto
é, embora capaz de entender que os crimes que praticou
são errados, ele não consegue evitá-los.
Da pena que será comprida pelo
ex-mecânico de bicicletas, 19 anos são pelo assassinato,
e um ano e oito meses pela ocultação de cadáver. Toda a
sentença deverá ser cumprida em regime fechado. A defesa
chegou a solicitar a imputabilidade total de Chagas,
para que este fosse internado numa clínica psiquiátrica.
Entretanto a defesa aceitou a
tese do Ministério Público e anunciou que não vai
recorrer da decisão. Ao final do julgamento, o advogado
de defesa Erivelton Lago manifestou inclusive desejo de
abandonar a defesa de Chagas.
O julgamento teve início na
segunda-feira, 23, no salão de eventos do Sesi Araçagi,
em São José de Ribamar. Este primeiro dia ficou marcado
pelo posicionamento do acusado que resolveu dar uma nova
versão para o caso. No depoimento prestado à polícia,
Chagas havia dito que Jonnathan morreu após cair de
cabeça de uma juçareira. No Tribunal do Júri, ele
confirmou que havia estrangulado o garoto e atribuiu o
fato a pertubações ocasionadas por situações de abuso
sexual que ele havia sido vítima aos seis anos.
Mãe diz que o sentimento é de
vitória
Rita de Cássia Gomes da Silva,
40, mãe de Johnnatan, estava exausta ao final do
julgamento de Chagas. Quando foi lida a sentença da
condenação, ela precisou confirmar o resultado: “Isso
quer dizer que ele foi condenado, não é? Ele está indo
para a penitenciária, não é?”, perguntava sem parar D.
Rita à advogada Valdira Barros, do Centro de Defesa Pe.
Marcos Passerini, entidade não-governamental que realiza
o acompanhamento jurídico dos casos junto às famílias
dos meninos emasculados.
Após a confirmação da sentença,
Rita disse que o sentimento foi de vitória. Na manhã
seguinte ao julgamento, mesmo com a fisionomia cansada,
era visível a mudança que se operara nela, que pela
primeira vez sorria ao dar entrevista. E foram muitas.
“Desde que amanheceu o dia que não me deixam dormir,
toda hora chega um repórter e me acorda”, reclamou ela.
Ao comentar o resultado, ela chegou mesmo a brincar em
alguns momentos. “O doutor Erivelton estava muito chato,
não queria que ele [Chagas] fosse condenado. Mas não
teve argumentos suficientes”, disse.
Rita não acompanhou o primeiro
dia do julgamento porque foi arrolada como testemunha da
acusação, e teve que permanecer isolada até depor. Após
o seu interrogatório, porém, ela acompanhou o julgamento
até o fim, e se disse satisfeita com o resultado, embora
esperasse uma pena maior. “Eu queria que fosse maior [a
pena de Chagas], mas ele foi condenado. Era isso que eu
queria e consegui. Estou me sentindo vitoriosa”,
garantiu ela.
Rita de Cássia disse ainda que
espera que o seu sentimento de alívio se estenda às
outras mães. “Elas me apoiaram, e eu vou fazer o mesmo
com elas. A minha luta terminou. Mas agora começa outra,
que é a das outras mães”, disse Rita. Apenas no Maranhão,
Chagas ainda deverá passar por outros 29 julgamentos, de
outras crianças também mortas e emasculadas. “Para nós,
a justiça vai além da condenação do Chagas”
Ainda não há como prever qual
dos 29 casos que restam será o próximo a ser julgado,
nem é possível estipular uma data. Na concepção de D.
Rita, a jutiça já foi feita. Para Valdira Barros, porém,
muito ainda precisa ser feito. “Para a gente, a justiça
vai além da condenação do Chagas. Temos que continuar
atentos e monitorar a execução dos compromissos
assumidos”, lembrou Valdira.
Os compromissos a que Valdira
se refere foram assumidos pelo governo do Maranhão e
pelo Estado brasileiro, depois que o caso dos meninos
emasculados foi denunciado à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA), que processou o Estado Brasileiro por violação
dos direitos humanos.
Como forma amigável de resolver
a situação, as famílias das crianças passaram a receber
uma indenização mensal de R$ 500, além da promessa de
inclusão em outros programas sociais e de habitação do
governo federal. O governo estadual ainda se comprometeu
a construir uma escola, recuperar a delegacia da Raposa
e criar um Centro de Perícias, que atualmente funciona
no Centro de Proteção à Criança e ao Adolescente (CPCA),
na Beira-Mar.
Segundo Valdira, as medidas têm
também um sentido preventivo para a população. “Nosso
objetivo é beneficiar não só os familiares, mas também
toda a população das áreas afetadas. Ficou um clima de
medo entre a população: entre as crianças, que não
podiam nem sair para brincar, e as famílias, que não
tinham para quem recorrer. Precisamos prevenir que
outros crimes como esse aconteçam”, disse Valdira.
O prazo máximo para que todas
as medidas sejam cumpridas termina em 15 de dezembro
deste ano. Antes disso, porém, o Centro de Defesa deve
encaminhar um relatório à OEA, relatando o andamento dos
compromissos. Parece que D. Rita estava certa quando
disse que uma nova luta começa agora.
Acusação prevalece. Defesa
afirma que não vai recorrer
O embate entre acusação,
representada pelos promotores Samaroni Maia, Carlos
Henrique Brasil e Emanoel Soares, e o advogado do réu,
Erivelton Lago, só aconteceu no início da madrugada de
ontem. Os promotores sustentaram a tese vencedora da
semi-imputabilidade. Ou seja, de que, mesmo possuindo
transtornos de personalidade que resultam em um desvio
de comportamento, Francisco das Chagas não é um doente
mental e sabia o que estava fazendo com as suas vítimas.
Ao longo de duas horas, os promotores apresentaram ao
júri e as pessoas que acompanhavam o julgamento um vasto
conjunto de provas, inclusive fotos dos meninos com os
órgãos genitais extirpados. “Chagas é um predador. E
como um bom predador agia dentro de um território
totalmente traçado”, afirmou Emanoel Soares referindo-se
ao perímetro onde aconteceram os assassinatos na região
da Grande São Luís.
Samaroni Maia disse que o
acusado agia de forma fria sempre com a certeza de que
os seus atos nunca seriam descobertos. “O réu só errou
em um momento. Se ele soubesse que a sua própria irmã
tinha conhecimento de que, naquele dia 06 de dezembro de
2003, Jonnathan estava em sua companhia este garoto não
teria morrido. Chagas só agia com a absoluta certeza de
que ninguém tinha nenhuma pista sobre ele. É um
assassino frio e calculista”.
Erivelton Lago tentou sustentar
a tese de que o seu cliente possui problemas mentais. No
entanto, a tese do advogado foi totalmente descartada
durante o depoimento da psicóloga clínica forense, Maria
Adelaide Freitas Caires, que é autora do laudo pericial
sobre o acusado. Maria Adelaide disse que Chagas possui
transtornos de comportamento, provavelmente em função
dos abusos sexuais que afirmou ter sido vítima na
infância. Porém, negou que o réu tenha problemas mentais.
Após o julgamento, Erivelton Lago disse que não
recorrerá da sentença.
Irmã de mecânico fala que
sofreu muito
A irmã do mecânico Francisco
das Chagas, Maria Eliana de Brito, 42, foi a primeira
testemunha a prestar depoimento na tarde de terça-feira.
Temendo algum tipo de represália, Eliana, que foi
escolhida como testemunha pela defesa do réu, prestou
depoimento usando um capuz. “Quando descobriram que o
Chagas havia matado o Jonnathan eu sofri muito. As
pessoas do bairro [Jardim Tropical I] me discriminavam.
Cheguei até a receber ameaças de morte, o que fez com
que eu vendesse a minha casa e saísse do bairro. Por
este motivo, tenho medo de sofrer ameaças novamente”,
explicou.
Maria Eliana confirmou algumas
informações fornecidas pelo próprio Chagas em seu
depoimento prestado na segunda-feira. Disse que a sua
avó, Maria do Carmo Furtado, que criou Chagas quando
este era criança, era uma mulher muito rígida e que
usava de violência para punir os quatro netos que criava
num povoado do município de Caxias.
Eliana afirmou que conheceu
Carlito, o homem que, segundo Chagas, abusou sexualmente
dele aos seis anos. De acordo com ela, Carlito morava na
casa da sua avó e a ajudava nos serviços domésticos. A
testemunha, no entanto, afirmou desconhecer o fato de
que o seu irmão havia sido abusado sexualmente quando
criança. “Chagas morou comigo, no Jardim Tropical,
alguns meses. Ele nunca me contou nada disso. Ele era
uma pessoa calada. Depois ele conseguiu construir uma
pequena casa e se mudou”.
Maria Eliana confirmou que
conhecia Jonnathan e a sua família. Disse que tomou
conhecimento do desaparecimento do menino através de uma
vizinha sua, identificada pelo nome de Zefa. “No dia que
o menino desapareceu, Zefa chegou lá em casa, já por
volta das 18h, comunicando o fato e dizendo que as
pessoas estavam comentando que o Jonnathan estava na
companhia de Chagas. O meu irmão esteve neste mesmo dia
na minha casa pedindo sabão para lavar roupas. Quando
soube desta história [desaparecimento do garoto] fui
atrás do Chagas e disse para ele ir até a casa da
família do Jonnathan contar o que tinha acontecido”.
Segundo ela, naquela oportunidade, Francisco das Chagas
negou que tinha estado com o garoto.
Chagas possui desvio de caráter,
diz psicóloga
Segunda e última testemunha
escolhida pela defesa do réu para prestar depoimento na
terça-feira, a psicóloga Maria Adelaide Freire Caíres
disse que Francisco das Chagas possui transtornos de
personalidade que resultam em um desvio de comportamento.
“Apesar de possuir as suas capacidades de entendimento e
autodeterminação diminuídas, Chagas não é um doente
mental. Ele sofreu um trauma [abuso sexual] quando
criança, fato que, de alguma forma, influenciou o seu
comportamento. Avalio que os assassinatos que ele
confessou tenham mais caráter místico do que sexual. É
como se cada vítima que ele matasse, matasse a própria
dor que teve. Ele se salva e salva o outro do sofrimento”,
comentou Maria Adelaide, que elaborou laudo psicológico
sobre a personalidade do acusado.
O depoimento de Maria Adelaide
durou mais de cinco horas. Ela foi, por diversas vezes,
questionada pelos promotores Samaroni Maia e Carlos
Henrique Brasil e pelo advogado Erivelton Lago.
Maia, em um dos seus
questionamentos, quis saber se Chagas era doente mental
e se não tinha ciência das barbaridades que havia
cometido. A psicóloga voltou a afirmar que o acusado
possui desvios de comportamento em função do trauma
sofrido na infância. “Doente mental ele não é. Agora a
sua culpabilidade quem definirá são os jurados”.
GOVERNO FEDERAL
O assessor da Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República, Omar Klich, acompanhou os dois últimos dais
do julgamento de Francisco das Chagas. De acordo com
ele, o Estado brasileiro tem até dezembro para cumprir o
acordo firmado este ano na comissão de Direitos Humanos
da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Parte do
acordo já foi cumprido. As pensões para as famílias das
vítimas maranhenses estão sendo pagas. O governo do
Maranhão também já começou a implantar alguns projetos
sociais na região onde aconteceram os casos. Porém,
falta ainda construir um conjunto habitacional e algumas
escolas nesta região”, disse.
VÍTIMAS DE CHAGAS
1) Alexandre de Lemos Pereira
2) Antônio Reis Silva
3) Bernardo da Silva Modesto
4) *Bernardo Rodrigues Costa – corpo encontrado nas
matas de S.J.Ribamar
5) Carlos Wagner dos Santos Sousa
6) *Daniel Ferreira Ribeiro – corpo encontrado na Vila
José Reinaldo
7) *Diego Gomes Araújo – corpo encontrado na Vila José
Reinaldo
8) Edivan Pinto Lobato
9) Eduardo Rocha da Silva
10) Evanilson Cantanhede Costa
11) *Hermógenes Colares – corpo encontrado nas matas de
Santana
12) *Ivanildo Povoas Ferreira – corpo encontrado na
Maiobinha
13) Jailson Alves Viana
14) Jonnathan Silva Vieira
15) *Josemar de Jesus Batista – corpo encontrado no
povoado Santana
16) *Julio César Pereira Melo – corpo encontrado nas
matas de Ubatuba
17) Laércio Silva Martins
18) Nerivaldo dos Santos Pereira
19) *Nonato Alves da Silva – corpo encontrado nas matas
de Ubatuba
20) Rafael Carvalho Carneiro
21) *Raimundo Luís Sousa Cordeiro – corpo encontrado nas
matas de Santana
22) Raimundo Nonato da Conceição Filho
23) *Ranier Silva Cruz – corpo encontrado no Paranã
24) *Welson Frazão Serra – corpo encontrado na Vila Jair
25) *Alexandre dos Santos Gonçalves – corpo encontrado
São Brás dos Macacos
26) *Sebastião Ribeiro Borges – corpo encontrado matas
de Santana
27) Jondelvanes Macedo Escócio
28) Emanoel Diego de Jesus Silva
29) Não identificado
30) *Não identificado – corpo encontrado no Araçagi
Vítimas eram dos municípios de
São Luís, São José de Ribamar e Paço do Lumiar.
*Casos que aconteceram em São
José de Ribamar
Fonte: Centro de Defesa Marcos
Parcerini
42 histórias
de horror
Como
funciona a mente de um maníaco acusado de ter
violentado, emasculado e estrangulado dezenas de
crianças no norte do país
Marco Bahé, de
São Luís
Com Juliana Arini
RevistaEpoca.globo.com
Os olhos são mansos. A pele é morena
clara e o corpo franzino, de apenas 1 metro e 62
centímetros de altura. Nada assusta no mecânico
Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, de 38 anos. Mas
ele é, possivelmente, o maior assassino em série da
história brasileira. É acusado de ter violentado,
assassinado e mutilado 42 meninos durante 15 anos no
interior do Pará e na capital do Maranhão, São Luís.
Na madrugada da quarta-feira, foi
condenado a 20 anos e oito meses de reclusão por apenas
uma das mortes, a do menino Jonnathan Silva Vieira. Os
outros assassinatos ainda irão a júri. São mais 41
histórias de horror a ser contadas.
Chagas é acusado de ter espalhado
terror pelo norte do Brasil. Nascido no interior do
Maranhão, morou na cidade paraense de Altamira. Aos 21
anos, teria começado a matar. Em Altamira, teriam sido
12 garotos. Outros três sobreviveram, arrastando-se da
mata ensangüentados. Mas ficarão marcados para sempre
pela emasculação.
Depois, de volta a seu Estado natal,
Chagas foi morar na capital. Instalou-se numa área de
moradias populares conhecida como Jardim Tropical.
Atacava pela vizinhança. Teria começado em 1991. E teria
seguido, sem levantar suspeitas, durante oito anos.
Uma das vítimas, o menino Daniel
Ferreira Ribeira, de apenas 4 anos, foi retirado de
dentro de casa enquanto o pai dormia. Chagas chegou a
atuar como voluntário na reconstituição realizada pela
polícia. "Era para meu filho estar agora com 7 anos",
diz Mônica Regina Ferreira, mãe de Daniel. "Essa dor eu
vou levar comigo para sempre."
Chagas só foi preso em dezembro de
2003, após a morte de um garoto de 14 anos que morava
perto de seu trabalho. Ele havia chamado Jonnathan Silva
Vieira para catar açaí na mata. Antes de sair, o menino
avisou à irmã mais velha para onde e com quem iria.
Quando a polícia começou a investigar o desaparecimento
de Jonnathan, Chagas tornou-se o principal suspeito.
Em sua casa, os investigadores
descobriram cadáveres de outras vítimas, inclusive
Daniel. "Com o julgamento, minha luta chegou ao fim",
diz Rita de Cássia Gomes da Silva, mãe de Jonnathan. "Já
posso pensar em reconstruir minha vida. Nesses quase
três anos, perdi meu emprego de cozinheira, pois não
conseguia fazer mais nada. Agora, quero me mudar daqui.
Esse sempre foi o sonho do Jonnathan, que eu não
consegui realizar quando ele estava vivo."
No início, ninguém imaginou a
possibilidade de assassinatos em série. "Trabalhamos com
as hipóteses de tráfico de órgãos, magia negra e até
ações de terror", diz o promotor de Justiça Samarone de
Souza Maia, que atuou na acusação no caso de Jonnathan.
"A lição para mim é que o sistema judicial brasileiro
não está preparado para esse tipo de criminoso."
Para começar, a polícia teve
dificuldade em provar a culpa de Chagas em todas as
mortes com características semelhantes. Recorreram à
pesquisadora Ilana Casoy, do Núcleo Forense do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC), em São
Paulo. Ela traçou o perfil psicológico do provável
homicida e comparou-o com o de Chagas.
Os especialistas afirmam que cada
assassino em série tem uma marca própria. Sua assinatura.
(Atenção. Aqui serão descritas algumas atrocidades. A
história pode ser seguida a partir do próximo parágrafo,
sem prejuízo do entendimento.)
A assinatura dos homicídios de Chagas
era a emasculação das vítimas - sempre meninos, de no
máximo 14 anos. Segundo os peritos, ele extraía os
órgãos genitais dos meninos com uma faca. Antes
estrangulava os meninos até que desmaiassem e abusava
sexualmente deles. A morte se dava no estrangulamento ou
depois, por hemorragia.
Segundo o inquérito policial,
Francisco levava os garotos para matas fechadas,
convencendo-os a colher frutos ou caçar passarinhos.
Depois de matá-los, realizava um estranho ritual. Com um
cone feito de folhas verdes, coletava sangue no
ferimento da emasculação. Caso fosse necessário, fazia
novos furos no corpo até encher o cone. Desenhava uma
cruz no chão e a cobria com o sangue do menino morto. O
órgão masculino era envolto num pedaço da camisa da
vítima e jogado na água. Podia ser um rio, lagoa ou mar.
Não raro, pequenos pedaços do corpo também eram
amputados: orelhas, dedos, panturrilhas, mãos ou mamilos.
O cadáver era coberto com folhas de tucum, sempre tucum
- uma espécie de palmeira espinhenta comum na região.
As características do
crime indicam a atuação de um doente. Ele
afirma que escutava vozes e via um ser
branco flutuando a cerca de 40 centímetros
do chão a mostrar sua próxima vítima. Mas
testemunhas contam que Chagas não fazia o
tipo esquisito. "Era querido na vizinhança
pobre onde morava", diz a psicóloga Maria
Adelaide de Freitas Caires, também do Núcleo
Forense do HC. Ela fez o laudo psicológico
de Chagas. "Solícito, ele levava os doentes
aos hospitais, comprava remédio, ajudava a
limpar o terreno do vizinho. Já tinha se
candidatado a presidente da associação dos
moradores quando foi descoberto", afirma.
A psicóloga atestou que
Chagas tinha, até certo ponto, consciência
de seus atos. Por quatro votos a três, o
júri o considerou semiimputável. Isso
significa que ele é juridicamente
responsável por seus atos, mas pode ter
redução de até dois terços da pena. O juiz
concedeu-lhe redução de um terço. Não fará
muita diferença, porque as penas são
cumulativas e os próximos julgamentos devem
garantir que Chagas passe o resto de seus
dias na prisão. "A gente está unida, todas
as mães", diz Mônica Ferreira, mãe de
Daniel. "Vamos fazer o que for preciso para
deixar esse assassino apodrecer na cadeia."
O que faz uma pessoa
solícita e querida em sua comunidade cometer
atos monstruosos? Segundo os especialistas,
não há explicação. Os assassinos seriais são
um fenômeno mundial. Fazem-se filmes sobre
eles, como O Silêncio dos Inocentes,
de 1991, vencedor de cinco Oscars. Mas
ninguém os entende. "Eles não se classificam
como psicopatas, depressivos, nem nenhuma
das patologias conhecidas", diz a psiquiatra
Ilana Casoy. "Ainda há pouco estudo sobre
eles."
Mesmo assim, a infância
de Francisco sugere algumas respostas.
Menino pobre, o caçula de cinco filhos de
agricultores, ele perdeu a mãe aos 4 anos.
Foi criado pela avó materna, que lhe dava
surras com cipó, segundo ele e uma irmã. "A
avó colocava um papel na parede onde ia
anotando os atos merecedores de castigo.
Quando chegavam a oito, o próprio garoto
tinha de ir na mata buscar o cipó com o qual
seria surrado", diz a psicóloga Maria
Adelaide. Chagas afirmou durante o
julgamento que sofreu abuso de um rapaz 15
anos mais velho, que a avó levou para dentro
de casa. Isso teria ocorrido pelo menos três
vezes.
O abuso teria
contribuído para o desvio de
personalidade de Francisco?
Ilana Casoy diz que sim. "Em
mais de 80% dos casos de
criminosos em série houve abuso
sexual na infância." No caso de
Chagas, as vítimas tinham sempre
as mesmas características -
físicas e sociais - que ele um
dia teve. Eram meninos franzinos
e pobres. "Em cada vítima,
Chagas via a criança que foi",
diz Maria Adelaide. "Ele queria
matar o próprio passado."
Chagas afirma
que nunca sentiu remorso pelos
assassinatos. Nem tinha pena das
vítimas ou de suas famílias (leia
a entrevista). As declarações de
que ouvia ordens de uma voz
seriam uma forma de ele
responsabilizar alguém, uma
força superior, pelo que fez. "Fica
mais fácil viver consigo mesmo",
diz Ilana.
Outra
característica de Chagas é a
inteligência. Ele concluiu
apenas a primeira parte do
ensino fundamental (a antiga 4a
série primária). Mesmo assim,
fala com desenvoltura e um
universo vocabular acima da
média de seu grupo social. O
teste de coeficiente de
inteligência (QI) indicou
pontuação de 105 - um nível
considerado excelente para quem
tem seu histórico.
Os policiais
dizem que Chagas fazia uma
espécie de jogo com eles. Seus
relatos sobre as mortes seguiam
um ciclo de evolução. Primeiro,
ele dizia não se lembrar de
nada. A cada descoberta do
inquérito com que era
confrontado, afirmava: "Aí, você
me pegou nessa". E dava uma nova
informação como "prêmio" aos
investigadores.
Os psicólogos
não têm dúvida de que ele tenha
matado todos os 42 meninos.
Citam a "assinatura" peculiar de
cada homicida em série. E
afirmam que ele não só assumiu
os homicídios como identificou
os locais das mortes e forneceu
detalhes que só poderiam ser
descritos por quem participou
delas. "Na localização dos
corpos, a diferença entre os
locais apontados por Chagas e os
que foram levantados nas
perícias era de apenas 50
centímetros", diz o promotor
Maia. Isso levou à revisão de
processos antigos. Cinco pessoas
haviam sido presas pelos
assassinatos no Maranhão, e uma
delas tinha sido condenada. Os
processos foram revistos.
Mas o caso
não está encerrado. A polícia do
Pará não aceita as conclusões
dos maranhenses. Lá, o caso é
tratado como uma série de 19
vítimas, entre mortes,
mutilações e tentativas de
violação. Há um processo que
julgou sete acusados e condenou
seis deles por matar os garotos
e mutilá-los em rituais de magia
negra. Eles faziam parte de uma
seita chamada L.U.S.
A presidente
da seita, Valentina de Andrade,
autora do livro Deus, a Grande
Farsa, foi a única absolvida.
Hoje, vive na Argentina, onde
fica a sede da seita. Dos seis
condenados, dois estão presos,
três fugiram e suspeita-se de
que um deles esteja morto.
"Francisco Chagas é uma farsa",
afirma Rosa Pessoa, presidente
da associação dos familiares das
vítimas e mãe de um dos meninos
mortos no Pará. "Acreditamos que
ele possa fazer parte do grupo
que matou as crianças. Mas ele
nunca poderia ter agido sozinho.
O que está se querendo fazer é
acobertar os poderosos", diz.
Ela se refere a dois médicos e
uma empresária suspeitos dos
assassinatos.
O que reforça
a tese dos paraenses é que houve
pelo menos cinco ataques
parecidos em Altamira quando
Chagas já estava no Maranhão.
Levado a Altamira para ajudar a
localizar os corpos de
desaparecidos, ele indicou um
local errado. "Só havia ossadas
de animais no lugar que ele
mostrou", diz Maria Raimunda dos
Santos, tia de um dos meninos
mortos. Ela integra um comitê em
defesa da vida das crianças
altamirenses, formado após a
tragédia por parentes das
vítimas.
Uma hipótese
é que Chagas tenha tido contato
com os membros da seita,
aprendido sua técnica macabra e
replicado os assassinatos no
Maranhão. Chagas afirma que
conhecia apenas de vista um dos
condenados pelas mortes no Pará.
"Ele é um dos culpados", diz
Antônia Melo, do comitê. "O que
as famílias querem é que todos
os condenados sejam presos."
*****
Na
prisão, Chagas diz sentir que
Deus "ainda tem alegria" para
ele Francisco das Chagas recebeu
ÉPOCA no presídio de segurança
máxima de São Luís, na cela
isolada em que vive há nove
meses. A direção da casa teme
que os outros presos o ataquem,
se tiverem contato com ele.
ÉPOCA - Foi justa
sua condenação?
Francisco das
Chagas - A Justiça está fazendo o
trabalho dela e foi correta. Só que, no meu
entendimento, é preciso julgar a pessoa pelo
lado da solidariedade, pelo lado mais
humano. Não só olhar pelo lado da maldade. O
que aconteceu comigo pode acontecer com
qualquer um. O "bicho" está lá fora solto.
Nós todos poderemos ser tentados a qualquer
momento.
ÉPOCA - Ao júri,
você contou uma versão de uma infância
sofrida, sem os pais, com maus-tratos e
abuso sexual. Seu passado justifica os
crimes que você cometeu?
Chagas -
Eu não gosto muito de falar da minha
infância. Ninguém gosta de falar de
sofrimento. Eu não tive carinho de pai,
atenção, aquele amor que a criança precisa.
Com 4 anos meu pai se largou da minha mãe.
Depois minha mãe morreu. Minha avó materna
foi criar a gente. Eu fui uma criança que
nunca teve o prazer de ganhar um presente. E
desejaria que o povo brasileiro pudesse dar
atenção a seus filhos. Quando eu tinha 6
anos de idade, minha avó chamou um rapaz
para morar lá com a gente. Isso foi uma
coisa que eu guardei, escondi da minha
família. Por vergonha. Quando minha avó ia
fazer compra na cidade, esse rapaz por umas
três vezes abusou de mim. Eu contei essas
histórias agora porque me perguntaram. Mas
não quer dizer que as coisas que aconteceram
sejam desculpa para o que eu fiz.
ÉPOCA - Qual era o sentido do
ritual nas mortes que você praticou?
Chagas - Eu não sou
homossexual. Eu me sinto muito revoltado quando me
chamam disso. Eu gosto é de mulher, meu negócio é mulher.
Isso aí não importa. Eu não praticava sexo com a vítima.
Isso não é verdade.
ÉPOCA - A polícia achou sêmen
seu...
Chagas - Isso não é
verdade. Se fosse, eu dizia.
ÉPOCA - Como começaram as
mortes?
Chagas - Eu nunca
tive desejo de fazer mal a ninguém. Sempre fui uma
pessoal normal. Quando eu tinha uns 20 anos, comecei a
sentir aquela diferença em mim mesmo. Não tinha mais
aquele amor. Existia uma voz que falava comigo, sim. As
pessoas acham que isso é loucura. Mas não é.
ÉPOCA - Você se arrependeu?
Chagas - Quando eu
estava naquela confusão, não sentia arrependimento de
nada, não. As pessoas dizem: isso é um monstro. Mas isso
que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer um que
está aí fora.
ÉPOCA - Você queria ser
perdoado?
Chagas - Uma mãe lá
no júri disse que podia até me perdoar, mas só depois de
fazer picadinho de mim. Como é que uma pessoa dessa Deus
pode perdoar? Deus deu seu único filho para o sacrifício.
Se a pessoa não perdoa seu próximo, Deus não pode
perdoar essa pessoa.
ÉPOCA - Se você não tivesse
sido descoberto, voltaria a matar?
Chagas - Não sei.
Acredito que não. Isso aí tinha uma determinação certa.
Agora passou. Eu não sou uma pessoa má.
ÉPOCA - Se pudesse voltar no
tempo, o que faria diferente?
Chagas - Eu ia ser
uma pessoa tranqüila e feliz. Jamais ia fazer uma coisa
má com ninguém, pois já sei a reação que existe quando a
gente faz uma maldade. Eu sou uma pessoa que ainda pensa
em ser feliz. Ainda quero ser um cidadão respeitador. E
quero ser respeitado como as pessoas me respeitavam. Eu
pensei em dar fim a minha vida. Mas uma coisa me disse
que Deus ainda tem alegria para mim. Eu não vou recorrer
da sentença. Só quero que Deus me dê outra chance.
FRANCISCO DAS CHAGAS
Ilana Casoy - SerialKiller.com.br
19 de fevereiro de 2004 - Recebi um e-mail do Delegado
que preside o inquérito no Estado do Maranhão, Dr. João
Carlos Amorim Diniz. Ele dizia estar investigando os
casos dos meninos emasculados do Maranhão, que tinha um
suspeito e que precisava aprender tudo o que pudesse
sobre matador em série.
Liguei imediatamente para o Dr. Diniz.
Sim, eu podia ajudar desde que ele me enviasse TODO
material disponível sobre o caso. Uma semana depois,
recebi laudos de local de crime, necropsias, relatórios
de polícia e uma fita de vídeo com quatro horas de
interrogatório gravadas com o suspeito.
O interrogatório de Chagas seguia o
modelo padrão, que não é eficiente quando se trata de um
psicopata. Eles não sentem culpa, não tem remorso e a
capacidade de empatia é limitadíssima. O suspeito, de
nome Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, foi
indiciado pela morte de Jonnathan Silva Vieira, que
desapareceu em 06/12/2003 no povoado de Santana, São
José do Ribamar, Maranhão.
Jonnatham freqüentava a oficina de
bicicletas onde Chagas trabalhava (fazia bico) e
comentou com sua irmã que foi convidado por ele para ir
apanhar juçara (açaí) na mata. Chagas foi visto com
Jonnathan no dia de seu desaparecimento. Também foi
visto empurrando duas bicicletas na Estrada de Santana.
Mesmo diante destas "provas circunstanciais", ele negava
firmemente o crime.
No depoimento de Francisco das Chagas,
percebia-se claramente que ele gosta de contar
detalhadamente sua versão e não quer ser interrompido.
Contou que uma de suas diversões prediletas era ficar
sentado, à noite, jogando pedras em gatos. Afirmava que
a polícia podia revirar sua casa que não ia encontrar
nada; permanecia calmo e mantinha sua história. Seu tom
é irônico e seu riso é cínico.
O bom moço disse para a polícia: "Doutor,
se eu devesse eu tinha ido embora"; "To pagando por uma
coisa que eu não fiz"; "Só Deus sabe que eu sou
inocente"; 'Isso não pode estar acontecendo comigo, meu
Deus!"; "Meu advogado é Deus", "Eu não sou doido da
cabeça", "Um dia a verdade vem"; "Nunca matei ninguém na
minha vida".
Observações da fita
1. É desembaraçado e representa o
diálogo.
2. Ansioso para falar sua versão e justificar as
negativas das testemunhas.
3. Quer adivinhar a resposta certa.
4. Nega enfaticamente ser homossexual.
5. Exige provas científicas de sua culpa (digital na
bicicleta).
6. Ironiza a psicóloga, dizendo que só falta acreditar
que ela lê a mente das pessoas.
Linhas de Investigação
1. Para cada crime, uma autoria
diferente.
2. Órgãos genitais seriam usados em rituais de magia
negra, terreiros de macumba e/ou seitas secretas.
3. Serial Killer
As Provas
1. Chagas foi visto com Jonnathan no
dia de seu desaparecimento.
2. Chagas foi visto com duas bicicletas, sendo que uma
delas seria a do menino desaparecido.
3. Chagas morou em Altamira/PA entre 1989 e 1993, época
em que ocorreram os casos dos Meninos Emasculados de
Altamira.
4. No ano de 1991, ocorre o primeiro caso em São Luís do
Maranhão, no mesmo mês em que Chagas vem para esta
cidade acompanhando uma cunhada doente. Ele só retornou
para Altamira após o carnaval de 1992 (março).
5. Em 1994, Chagas passa a morar definitivamente em São
Luís/MA.
6. Os locais onde Chagas morou são os mesmos locais onde
ocorrera os crimes.
7. A baladeira do menino Sibá, feita com a borracha de
uma chuteira, foi reconhecida pelo pai
8. Nos locais de encontro de cadáver foram encontradas
algumas camisetas cortadas à 10cm da gola. Na casa de
Chagas também.
9. Chagas residiu ou freqüentava a localidade onde
ocorreu a maioria dos crimes de meninos emasculados. Os
corpos foram encontrados sempre numa distância entre 50m
e 200m de onde o mecânico morou.
Ilana Casoy no caso
Recebi material sobre 26 crimes
contra crianças em São Luís. Trabalhando em conjunto com
o Médico Legista e bacharel em Direito André Ribeiro
Morrone, definimos apenas 23 como sendo da mesma autoria.
Três casos foram excluídos.
Foi elaborado o perfil psicológico do
tipo de indivíduo que cometeria estes crimes em série e
confrontado como perfil psicológico de Francisco das
Chagas. Concluímos que se tratava da mesma pessoa.
De acordo com o perfil de Chagas e do
tipo de serial killer que estava em ação, havia uma
enorme possibilidade deste assassino ter enterrado parte
de suas vítimas em sua casa ou quintal. Pedi ao Dr.
Diniz que efetuasse nova perícia na casa e foi
requisitado novo mandado para que isso fosse possível.
Enquanto esperávamos ordem legal para
procurar o "troféu" que Chagas levava de cada morte,
supostamente ossos e roupas, foi solicitado ao Delegado
Diniz que observasse Chagas em sua cela. Não posso
relatar detalhadamente o que deve ser observado, para
que outros criminosos não saibam o que devem ou não
esconder, mas dentre outras coisas, sono REM,
matutino/vespertino, masturbação compulsiva, etc.
Com base nestas observações, foi
planejada uma estratégia de interrogatório a ser
utilizada no momento em que estivéssemos de posse das
provas científicas contra Francisco das Chagas.
Na quinta-feira, dia 25 de março, às
9 horas da manhã, recebi o telefonema do Dr. Diniz
contando que havia encontrado três ossadas enterradas no
chão da casa de Chagas, além de algumas roupas.
Durante várias horas, acompanhei as
escavações por telefone, juntamente com o Dr. André
Morrone. Ficou a cargo do Médico Legista do IML de SP
orientar a perícia de São Luís sobre o acondicionamento
das provas, para que nada se perdesse.
Neste mesmo dia à noite, conforme
estratégia anteriormente planejada, Chagas começou a ser
interrogado. Durante semanas, em trabalho conjunto com a
psicóloga forense Maria Adelaide de Freitas Caires, foi
feito o acompanhamento dos trabalhos, com mudanças de
estratégia quando necessário. Francisco das Chagas
confessou assim todos os seus crimes, mas afirmava não
se lembrar o que acontecia durante os assassinatos.
Foram feitas as reconstituições dos
assassinatos, uma delas acompanhada por mim pessoalmente.
Chagas entrava na mata do local de encontro de cada
cadáver e mostrava exatamente onde havia matado tal
criança.
Os locais eram bem ermos e foi
bastante difícil chegar até eles, pois se tratavam de
mata fechada. Munido de GPS, o perito criminalístico
Wilton Carlos Rêgo Ribeiro marcava então o local exato
apontado por Chagas, que depois era comparado ao local
apontado pelos peritos, por ocasião dos laudos de local.
A margem de erro de Chagas, mesmo nos crimes mais
antigos, era de 50 cm.
Chagas foi entrevistado por mim na
Delegacia de Homicídios de São Luís, juntamente com o
psicólogo forense Christian Costa. Começamos aqui a
conhecer o homem por trás dos crimes.
Alguns relatos de Francisco das
Chagas
Chagas - Bom, o que eu vi... é... Há
alguns fatos que vocês precisam descobrir né.. Que aliás
nem eu mesmo sei... isso que aconteceu... que aconteceu
já... Nem eu sei direito. E... Fica uma coisa que me
deixa ainda muito perturbado.
Ilana - É lógico.
Chagas - Esse negócio... Porquê que
um negócio desses acontece comigo né. Porquê...
Christian - Você gostaria de entender
também?
Chagas - Eu gostaria de entender, que
eu não sei... Tem hora que até me fere até as palavras...
Bom, pra dizer a verdade, o que mudou na vida foi só
que... por causa disso aí é a mesma coisa que eu estar
sozinho no mundo.
Christian - Você se sente só?
Chagas - É. Me sinto só.
...
Ilana - Você apanhou muito Chagas?
Chagas - Apanhei muito.
Ilana - Apanhava de quê? De cinta, de
chinelo?
Chagas - Era de cipó mesmo de jatobá.
Tirava assim aquele cipó de três pernas e tem que tirar
a folha, porque se não tirasse a folha a velha (a avó de
Chagas) mandava buscar outro. Ajoelhava nos pé dela e
ela batia e se brigasse muito, se estrebuchasse muito
ela... Daí dava no chão, pisava no pescoço e levantava a
perna do moleque. Ela pisava no pescoço, estendia a
perna e metia um tapa.
Ilana - De ponta cabeça?
Chagas - Era.
Christian - Ela batia aonde?
Chagas - Por onde pegasse. E aí
quando.... depois... quando feria né, porque, às vezes,
feria, e aí ela pegava e ia passar água de sal. Às vezes,
eu quero que Deus perdoe isso né, porque por mim tá
perdoado... Agora só que valeu, porque eu sempre foi uma
pessoa que nunca pegou uma agulha de ninguém. Porque lá
em casa quando a gente chegava com um brinquedo
diferente ia deixar onde achou debaixo de tapa. Aí eu
aprendi isso... Eu nunca peguei uma agulha de ninguém.
Eu não sei, não me sinto bem...
Christian - Porque que ela batia?
Chagas - Ela batia porque naquele
tempo a criação não era que nem hoje. Hoje em dia o
filho não respeita mais o pai, o pai tá conversando com
uma visita ele chega, toma a conversa, "foi assim e
tal"... No meu tempo não era assim. Minha mãe tava
conversando, se a gente dissesse "minha mãe, isso assim,
assim", ela não dizia nada, só olhava com um olho ruim.
Às vezes, chegava visita pra conversar com ela e a gente
ia brincar bem longe pra não atrapalhar ela e nem passar
pelo meio.
Reuniões e Palestras no Maranhão
Estive no Maranhão em maio de 2004.
No dia 10/5, ministrei palestra sobre serial killers
para o Ministério Público e em 11/5 foi promovida uma
reunião fechada com os promotores de justiça e policiais
envolvidos no caso dos meninos emasculados. Nesta
ocasião, eu e o Dr. André Morrone explicamos como
conectamos os casos destes meninos como sendo de uma só
autoria e respondemos perguntas e dúvidas dos presentes.
Em sentido horário, a partir do alto:
Ilana Casoy durante palestra no Maranhão, Dr. André
Morrone apresenta o caso, Dr. Christian Costa fala sobre
o caso, Público que lotou auditório faz anotações
durante o evento.
Comentários - Meninos Emasculados
- Altamira e São Luís
- Acredito que seja improvável o
Chagas assumir qualquer crime não cometido por ele. Os
serial killers têm uma característica: para eles, os
rituais no momento dos crimes são como obras de arte que
levam sua assinatura. Quando estive no Maranhão, um
outro preso pediu ao Chagas que assumisse o assassinato
de uma criança que ele havia matado. Chagas ficou muito
indignado. E disse: "Eu não mato desse jeito. Não vou
assumir nunca o seu crime. Você paga o seu e eu pago os
meus". Ele se orgulha dos próprios crimes. E digo mais:
ele não tem nenhum vínculo com os acusados dos crimes no
Pará.
- É quase impossível existirem duas
pessoas em dois locais, ao mesmo tempo, exercendo a
mesma fantasia. O ritual que o serial killer utiliza é
enraizado em fantasias de infância. Ninguém tem a mesma
infância. Nem dois irmãos numa mesma família têm as
mesmas fantasias. É muito difícil existir um assassino
no Maranhão e outros no Pará agindo da mesma forma, no
mesmo período. Os crimes em São Luís e Altamira são
ligados tecnicamente.
- As vítimas têm o mesmo perfil de
idade, de sexo, de aparência, de atividade. Todos eles
vendiam bolo ou suquinho, e perambulavam pelas
redondezas. São crianças pobres de periferia que sumiram
da mesma maneira. Foram levadas ao mato para pegar
frutas. É o jeito do Chagas operar. Antes dele aparecer,
eu já havia concluído que os crimes nos dois Estados
tinham o mesmo autor.
- Não vi os laudos dos crimes de
Altamira, mas teoricamente e de acordo com as
informações disponíveis ao público, tenho certeza de que
se trata do mesmo assassino. Acho difícil ter outro
agindo. Nos períodos em que as crianças morreram em
Altamira, o Francisco das Chagas morava lá. Ou vivia no
Pará e visitava São Luís com freqüência.
- O Chagas não assumiria crimes por
vaidade e nem é necessário. Somente no Maranhão, ele
assassinou e emasculou 30 meninos!
- O Chagas é um indivíduo sozinho.
Apesar de casado e de ter irmãos, sempre foi solitário.
Não tinha vida em grupo, não se relacionava. Como é
padrão em vários serial killers, se acha melhor do que
os outros. Ele guardou os crimes com muito cuidado,
segredo. Tanto que nunca foi apontado como suspeito em
15 anos de ação. E só confessou porque foram encontradas
provas científicas que o incriminavam. Ele não agiria em
parceria.
- De certa forma, ele planejava.
Provavelmente fazia uma seleção de vítimas, porque não é
qualquer garoto que servia. Meninos muito grandes ou
muito pequenos eram dispensados. A exceção foi o Daniel,
de quatro anos, parente da mulher dele. Ele selecionava
de acordo com a idade, com a classe social, com o
tamanho e com o sexo. Agora, na hora dos ataques, o ato
dele era incontrolável.
- Não sabemos ainda por que Chagas
matava, mas ele foi uma criança abandonada pelo pai e
pela mãe muito cedo. Foi entregue à avó para ser criado
num lugar isolado, com quase nenhum relacionamento
social. O isolamento costuma ser uma característica
comum na infância e na adolescência de um serial killer.
A avó dele tinha traços de sadismo e tudo indica que o
Chagas era espancado com freqüência. E também torturado
emocionalmente. A avó mantinha um papel na parede onde
anotava as atitudes que ela achava merecerem castigo.
Sempre que a soma chegava a oito, vinha a surra. Imagina
o que se passava na cabeça de uma criança de cinco, seis
anos quando a anotação atingia quatro ou cinco itens.
Imaginar que a avó iria pega-lo pelas pernas, vira-lo de
ponta cabeça, colocar o pé no pescoço dele e surra-lo
com um cipó triplo que ele próprio era obrigado a
cortar. Devia ser uma tensão enorme. Não há informações
claras de que o Chagas tenha sofrido abusos sexuais, mas
eles ocorreram em 82% dos casos de indivíduos que se
tornaram serial killers.